sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Crônica de mudança

Andar hoje pelo bairro onde eu cresci é uma experiencia entranha. Antes eu conhecia todo mundo, o Zé do Pito, que criava periquitos, a dona Josefa, que dava aula de espanhol, a Irene que fazia as melhores balas de coco. Conhecia todos os cachorros pelo nome e não era perigoso colocar a mão dentro das grades pra fazer carinho, menos no Thor, aquele vermelho lá da esquina, esse sempre deu medo na molecada. Agora não conheço mais ninguém, o bairro cresceu, tem vários prédios em volta, mais prédios do que casa, tantos que parecem até uma cerquinha ao redor da gente. Os cachorros de antes devem ter todos morrido, ou se mudaram daqui, os que vem latir no portão, irritados com os passos que invadem seus territórios, são todos tão assustadores como Thor foi uma época.

Fazia anos que não cruzava a praça a pé, agora tão vazia e bem cuidada, não tem mais ninguém pra correr amassando a grama e quebrando os galhos das plantas, ninguém mais desce o morro no papelão. Será que todas as crianças cresceram? E aqueles que era pequenininhos quando eu fui? Será que já faz tanto tempo e até eles já são grandes demais pra brincar na praça?

As casas estão diferentes também, tudo agora são sobrados e os muros estão tão mais altos, nem vejo mais os jardins que as vovós cuidavam com tanto afinco. Ah sim, esse sempre foi um bairro de vovós e toda terça elas iam juntas pra ginastica e no domingo iam juntas para a igreja. Não vejo mais as vovós, mas também não acordo mais tão cedo quanto antes.

O bosque está lá ainda, mas as amoreiras estão tão mais altas que já não alcanço as amoras vermelhas e pretas que me faziam tão feliz em 2003. Era tanta amora que uma vez a vó fez geleia, mas nada era tão bom quanto pegar da árvore e comer e sujar a cara e a boca de tanta doçura. 

Voltar pra cá é estranho porque não pareço mais pertencer à esse lugar. Primeiro decidi ir morar longe, fazer a faculdade onde a mãe não pudesse vigiar e depois sempre que voltava troquei meus passos pelo barulho do motor e a chave do carro passou a ser indispensável nas minhas mãos. Talvez não tenha sido só o lugar que mudou tanto assim.