quinta-feira, 27 de março de 2014

Sobre um filme que vi há muito tempo

A sala de cinema estava lotada, mas era de se esperar, Ninfomaníaca era o filme mais esperado do ano e ola que ainda estávamos em janeiro. Quando Lars Von Trier anunciou em Cannes que faria um filme sobre a vida sexual de uma mulher desde a infância até a juventude, todos ficaram chocados e ansiosos pelo filme que estava por vir.

O longa acabou sendo dividido em duas partes, mas isso não diminuiu a expectativa do público, talvez tenha deixado todos mais alvoroçados pelo filme, a maioria principalmente pela temática. Sexo é tabu, falar de sexo em público não é visto como socialmente aceito, o que dizer sobre um filme que tem uma ninfomaníaca como personagem principal? Além de ter o sexo como assunto principal, era a vida sexual da mulher, que por bem ou por mal a sociedade ainda julga como submissa e quando ela é dona de seu próprio corpo e da sua sexualidade, não demora até que as zonas mais conservadoras as tachem como vadias e putas. São esses temas tabus que fizeram do filme de Lars tão aguardado, é essa quebra do rótulo que faz o filme tão esperado.

O que Lars propõe é um filme sensorial, em que o expectador tem que estar atento com todos os seus sentidos para captar a atmosfera densa e reflexiva do filme. O que muito se pensa sobre Ninfomaníaca é que se trata de um filme com um cunho sexual apelativo, mas as cenas de nudez e sexo explicito são apenas o veiculo para mostrar metáforas sobre questionamentos do ser humano, como a busca incansável por uma resposta ou por sentir alguma coisa e o não sentir faz com que nos arrisquemos cada vez mais na busca por aquilo que nunca vamos ter.

Depois dos trailers, o grande filme. E o diretor surpreende já no inicio propondo um exercício de meditação que a plateia, ansiosa e agitada, não é capaz de entender e chega a pensar que tem algo de errado no projetor ou no filme, mas é apenas um convite para entrar no universo de Joe (Charlotte Gainsbourg e Stacy Martin, na juventude) e entender a sua vida e dilemas, sua eterna busca por alguma coisa que nem ela é capaz de explicar. Encontrada desacordada e machucada por Seligman (Stellan Skarsgard), é levada por ele para sua casa, onde recebe cuidados e passa a contar sua história na forma de capítulos que ganham seus nomes de acordo com o que acontece enquanto os dois conversam. O filme também é bem estético, com cortes bruscos, telas divididas e tipografias. Como já disse é um filme sensorial, Ninfomaníaca você não assiste, você sente.


quinta-feira, 6 de março de 2014

Hoje eu vi uma parte da história

Hoje fui para São Paulo com meus pais, estava ido comprar a tão desejada cortina pro quarto pra não ter mais que acordar com o sol queimando minha retina. Era algo absolutamente normal, mas ai alguém morreu. O pai de alguém que trabalha com a minha mãe, e antes de ir atras da tal cortina, minha mãe quis passar no velório para prestar suas condolências à amiga que acabou de perder o pai. Não vi nenhum problemas nisso, mas será que eu poderia esperar no carro?

Não gosto de velórios, o clima sempre é muito pesado e triste, claro que é triste, alguém morreu! Mas triste em um sentido ruim. Me sinto muito mal em velórios, tanto que evito entrar, mesmo porque acho extremamente desnecessário deixar o corpo ali exposto. E não pense em dizer que é para prestarmos uma última homenagem, o que tem ali é só um corpo frio e sem vida, a alma já se foi a tanto tempo que eu não vejo o menor sentindo em colocar a morte em tanta evidência.

Por outro lado gosto de cemitérios, é um lugar que tem tanta paz. Quem está ali descansa eternamente, na paz de alguém em que acreditaram em vida. Cemitérios são sossegados e tranquilos, eu passaria uma tarde feliz em um cemitério, fazendo um pique-nique e lendo um livro, acho que existe um lugar onde as pessoas fazem isso, devíamos fazer por aqui também, os mortos seriam mais felizes se seu lugar de descanso não fosse visto como mau assombrado.

Mas houve um momento em que meu pai me puxou de canto e disse que queria me mostrar uma coisa, me levou para uma parte atrás do velório, onde dava pra ver quase todo o cemitério e apontou para um grande muro vermelho e disse o seguinte "Aqui foi encontrada da década de 90 uma vala comum, onde o exército jogava os corpos dos presos políticos de São Paulo". Fiquei olhando consternada para o monumento e pensando, não nos mortos, claro que sou compadecida pela forma que morreram e rogo para que suas almas descansem e paz, mas o que está feito não pode ser mudado e que o passado sirva de lição para que os mesmos erros não sejam cometidos. Fiquei pensando nos vivos, nas famílias que até hoje procuram por seus entes, não há esperança de encontrar ninguém vivo, mas essas famílias só queriam respostas e um corpo para velar e visitar nos dias de verão. Pensei no sofrimento de todas essas pessoas, que ficaram aflitas quando não souberam o que tinha acontecido com quem foi levado pela polícia e que ainda estão por não saber que fim tiveram os corpos. 

Claro que não consegui me contentar em saber que ali era uma vala comum e dei uma pesquisada. Nos anos 90 foram encontradas 1049 ossadas dentro de sacos e sem identificação! Dentre essas só 7 foram identificadas em um período de 10 anos, e ai as identificações pararam, não sei exatamente o porque, talvez porque o Instituto de Medicina Legal da Unicamp tenha sido fechado logo depois das ossadas serem transferidas pra Usp. Talvez não seja tão bacana assim ficar descobrindo de quem é cada crânio, mas acho que aliviaria o coração de muita gente saber que encontraram os ossos dos perdidos na ditadura.