quinta-feira, 6 de março de 2014

Hoje eu vi uma parte da história

Hoje fui para São Paulo com meus pais, estava ido comprar a tão desejada cortina pro quarto pra não ter mais que acordar com o sol queimando minha retina. Era algo absolutamente normal, mas ai alguém morreu. O pai de alguém que trabalha com a minha mãe, e antes de ir atras da tal cortina, minha mãe quis passar no velório para prestar suas condolências à amiga que acabou de perder o pai. Não vi nenhum problemas nisso, mas será que eu poderia esperar no carro?

Não gosto de velórios, o clima sempre é muito pesado e triste, claro que é triste, alguém morreu! Mas triste em um sentido ruim. Me sinto muito mal em velórios, tanto que evito entrar, mesmo porque acho extremamente desnecessário deixar o corpo ali exposto. E não pense em dizer que é para prestarmos uma última homenagem, o que tem ali é só um corpo frio e sem vida, a alma já se foi a tanto tempo que eu não vejo o menor sentindo em colocar a morte em tanta evidência.

Por outro lado gosto de cemitérios, é um lugar que tem tanta paz. Quem está ali descansa eternamente, na paz de alguém em que acreditaram em vida. Cemitérios são sossegados e tranquilos, eu passaria uma tarde feliz em um cemitério, fazendo um pique-nique e lendo um livro, acho que existe um lugar onde as pessoas fazem isso, devíamos fazer por aqui também, os mortos seriam mais felizes se seu lugar de descanso não fosse visto como mau assombrado.

Mas houve um momento em que meu pai me puxou de canto e disse que queria me mostrar uma coisa, me levou para uma parte atrás do velório, onde dava pra ver quase todo o cemitério e apontou para um grande muro vermelho e disse o seguinte "Aqui foi encontrada da década de 90 uma vala comum, onde o exército jogava os corpos dos presos políticos de São Paulo". Fiquei olhando consternada para o monumento e pensando, não nos mortos, claro que sou compadecida pela forma que morreram e rogo para que suas almas descansem e paz, mas o que está feito não pode ser mudado e que o passado sirva de lição para que os mesmos erros não sejam cometidos. Fiquei pensando nos vivos, nas famílias que até hoje procuram por seus entes, não há esperança de encontrar ninguém vivo, mas essas famílias só queriam respostas e um corpo para velar e visitar nos dias de verão. Pensei no sofrimento de todas essas pessoas, que ficaram aflitas quando não souberam o que tinha acontecido com quem foi levado pela polícia e que ainda estão por não saber que fim tiveram os corpos. 

Claro que não consegui me contentar em saber que ali era uma vala comum e dei uma pesquisada. Nos anos 90 foram encontradas 1049 ossadas dentro de sacos e sem identificação! Dentre essas só 7 foram identificadas em um período de 10 anos, e ai as identificações pararam, não sei exatamente o porque, talvez porque o Instituto de Medicina Legal da Unicamp tenha sido fechado logo depois das ossadas serem transferidas pra Usp. Talvez não seja tão bacana assim ficar descobrindo de quem é cada crânio, mas acho que aliviaria o coração de muita gente saber que encontraram os ossos dos perdidos na ditadura.



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