sábado, 30 de julho de 2016

O espelho não me prova que envelheço

Vi uma vez em alguma rede social da vida a pergunta sobre o que a realmente vimos quando olhamos no espelho. Fiquei por muito tempo pensando sobre o que eu vejo quando olho no espelho, fiquei refletindo sobre aquelas histórias de se enxergar de verdade, sobre o espelho mostrar o que queremos ver e também aquela parte física de que é apenas luz.

Passei boa parte da vida meio brigada com o espelho. Entenda, eu era o perfeito estereótipo de garota nerd: usava óculos com um alto grau de miopia, aparelhos nos dentes e comecei a sofrer com as espinhas e a puberdade aos 11 anos, e as  espinhas não foram piedosas. Não era fácil me olhar no espelho até os 15 anos e ainda por cima disso eu ouvia da minha médica que eu nunca seria magra por mais que eu quisesse, que seria sempre a gordinha. Não preciso dizer que nessa época minha autoestima vivia em frangalhos e eu me escondia em roupas largas e uma franja longa. 

Aos 14 anos me livrei dos óculos e descobri um novo mundo com as lentes de contato, os óculos se tornaram acessórios apenas para os domingos em que eu não ia sair de casa. Meus óculos foram durante muito tempo como uma máscara que me deformava o rosto em razão do 8,5 de miopia. Hoje ele ainda deforma, ainda deixa meu nariz marcado por causa do peso, mas o sinto mais como uma extensão de mim, uma parte removível e que pode ser facilmente trocada por suas películas gelatinosas tão eficientes quanto, e incomodas à sua maneira. Fiz as pazes com a minha visão e acho divertido pensar que sem óculos eu vivo em um mundo de formas totalmente meu em que um saco de lixo preto pode facilmente ser confundido com um cachorro.

Tirar o aparelho foi a maior conquista, não que eles me incomodassem como os óculos, mas é que sempre fui de sorrisos e fazia anos que não via o meu sem aqueles quadradinhos metálicos. Lembro que tinha 17 anos e estava numa época de provar pra todo mundo, e acho que pra mim mesma, que eu tava bem feliz na vida. 

Hoje essa época parece tão distante, tão longe do que sou agora e ao mesmo tempo vive do lado esquerdo do meu peito e queima sempre que me esqueço um pouco de mim. Tento estabelecer uma relação boa com o espelho, as vezes a gente ainda briga, mas nos outros dias nos contemplamos com igual admiração.  As vezes beira a obsessão, mas nasci sob a constelação de leão e alguns astrólogos insistem em dizer que espelhos me atraem como imãs.

O que eu vejo quando olho no espelho eu não sei bem o que é. Vejo a mim mesma de um jeito que gosto de ser, gosto dos meus olhos e da minha boca. Gosto do formato das bochechas e também do pescoço. Não reclamo mais do tamanho dos meus peitos e nem da largura do meu quadril. Mas também gosto do que eu me tornei, da pessoa que está refletida e de tudo o que carrego por de trás da íris. 

terça-feira, 26 de julho de 2016

22

Você já sentiu como se não fosse capaz de respirar? Como se seu pulmão não conseguisse mais expandir pra deixar o ar entrar e o oxigênio chegar nos seus alvéolos e dai então para a corrente sanguínea. Falando em sangue, já sentiu ele correndo por suas veias? É sério, já sentiu como se percebesse que ele ta correndo dentro de você, pulsando dentro da sua cabeça?

Sabe a sensação das mãos geladas e formigantes? Aquela em que parece que se a gente tentar a gente não segura nada? E a constante vontade de estralar os dedos, de mexer os pés, arrumar o cabelo, desarrumar o cabelo? Uma necessidade de movimento incapaz de ficar imóvel.

Mas também uma imobilidade latente. Não consigo me mexer apesar da necessidade. O corpo não coopera com o resto, os músculos não obedecem. Já pensou que se saísse na rua as coisas seriam terríveis? Tudo que você queria era deitar em posição fetal e ficar ali pra sempre. Já se sentiu assim?

As vezes você achou que o mundo inteiro estava desabando e que você estava sozinho nessa? Que não tinha pra onde correr e que as paredes começaram a se fechar? Não é filme de ficção, é que as vezes parece que o ar fica pesado e sufoca mesmo, acho que são todas aquelas palavras que eu não disse.

domingo, 17 de julho de 2016

Água e gelo

Chovia tanto naquela tarde que parecia que o céu inteiro estava triste. Era aquela chuva chata, gelada e estranha, que não tem fim e consegue molhar até a alma.

Ela estava sentada na minha frente em um daqueles quiosques à beira mar. Não sei bem porque a gente estava naquele lugar com tantos outros lugares mais quentes e secos. Ela tinha o olhar distante de sempre, procurava alguma coisa no mar que eu não era capaz de conhecer. 

Era um silêncio áspero, igual a todos os que pareciam existir entre a gente nos último meses. Quado comecei a falar não consegui me conter e tudo saiu como um dilúvio. Precisamos terminar, essa relação me faz mal, me suga as forças e não sei mais quem eu sou. Você me boicota, me azucrina, arranha. Tudo o que eu faço está errado e não é suficiente. Eu te amo, mas não posso mais ficar com você. 

Ela me encarou com olhos de geleira, percebi que eu estava tremendo, depois voltou a procurar no mar aquilo que nunca vou saber o que é. E então duas palavras me cortaram o coração. Tudo bem. Uma aceitação tão rápida, tão simples, tão diferente do que a gente era. Quis gritar, quis xingar, quis bater o punho na mesa e cobrar um explicação. Fiquei em silêncio.

- Você queria que eu estivesse chorando.

Não era uma pergunta, mas eu ainda sim respondi na minha cabeça: é, eu queria.

Os olhos de geleira voltaram e nem uma calota havia se soltado. Ela não chorou, mas era uma pedra de gelo pronta pra me queimar ao menor toque. Disse que concordava, não tava funcionando, a gente não combinava. Até no fim eramos opostos: ela não me amava, mas ainda sim continuaria comigo.

Levantei, me despedi e saí. Espera, eu to de carro, te levo em casa. Não precisa, gosto de andar na chuva. Gosto de andar na chuva, mas a água que escorria no meu rosto tinha um gosto salgado.





17/10/2015

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Na velocidade da vida, eu passo por cima

Cheguei a conclusão de que estou sempre me atropelando. Sempre mesmo. É a velha mania de tentar passar por cima de tudo. Eu atropelei aquele momento de deixar a água escorrer, de deixar o coração pesar e a alma sofrer. Pulei toda a parte humana da coisa, toda a parte que torna tudo tão triste e bonito. Quis chegar logo no final, quando vou olhar pra trás e rir, aquela em que posso te esbarrar na festa e não terei vontade de sair correndo e vomitar.

Nunca me dei muito tempo pra pensar antes de fazer as coisas. Teimosa, já dizia a minha mãe. Arrogante também, dizia meu pai. Grande demais pra sentir alguma coisa, esperta demais pra tomar decisões erradas. Não me dou alguns direitos que deveriam ser importantes. Não me permito sentar e parar pra respirar. Não me deixo sentir o que há dentro de mim. Não me permito só olhar pro mar e molhar meus pés.

Não me deixo sentir e guardo algumas magoas no peito e alguns sentimentos eu engulo com gelo e limão. Vou enfiando tudo goela a baixo pra ver se para de fazer doer e começa a valer a pena. Nunca vale. Eu não me deixo sentir e o que sobra é banal demais causar alguma coisa. É muito álcool e nicotina entorpecendo meus músculos pra que algo consiga causar mais do que cócegas. Mas aquilo que engoli continua aqui, borbulhando como um caldeirão bem quente ou como um vulcão prestes a explodir. 

Se eu parar, por alguns minutos que seja, esse caldeirão todo transborda e me promete liberdade, mas sempre me avisa do preço, das noites eternas e da certeza de não conseguir enxergar por uns dias. Me avisa da dor de estômago, da ânsia e do peso que me acompanhará por dias. Mas eu sempre acabo preferindo me atropelar e peço mais gelo que assim é mais fácil de esquecer que ta queimando.





segunda-feira, 11 de julho de 2016

Enquanto te esperava

Estava deitado na cama já fazia algum tempo, talvez meia hora? Olhava o teto e ao fundo tocava algo que lembrava bossa nova ou talvez fosse jazz, não sabia ao certo sobre o gosto musical dela apesar de tantas conversas que já tiveram, não era algo que ela costumava falar. Esperava ela sair do banho.

Permaneceu deitado olhando o teto e pensando em como gostava de ficar ali. Era o quarto dela e era um dos lugares onde ele mais gostava de ficar, de alguma forma era o espaço dela e ele se sentia feliz por ela o aceitar ali, por deixar que ele fizesse parte desse mundo meio particular que ela tinha. 

Sentou-se e olhou todos os elementos do quarto, gostava dali, principalmente da varanda mesmo odiando as cortinas. Gostava de ficar ali, sentindo o vento e o cheiro de mato das várias árvores que tinha do outro lado da rua. Decidiu que a esperaria lá, onde era mais fresco e quando ela chegasse poderia abraça-la sob as estrelas, clichê, mas romântico.

Antes viu que em cima do criado-mudo estavam todos os presentes que ele deu pra ela, dados e emprestados, alguns com histórias muito engraçadas, como o incensário que ela raramente usava. Para atravessar o quarto, havia um mar de roupas pelo chão, dele, dela, misturados. Pensou em como levavam uma vida de casalzinho, bem rápido já se tornaram parte um do outro, assustava, mas no fundo ele gostava, queria ser capaz de fazer ela perceber mais vezes o quanto ele gostava dessa vida e dela e de como ele era feliz com ela, como nunca foi.

Tropeçou em uma garrafa de água, era engraçado como ela pegou alguns hábitos seus. Parou mais uma vez, agora em frente aos poucos livros que ela trouxe de casa. Leu alguns títulos, meio cultos, meio perdidos, meio blasés, a cara dela, alguns um pouco fantasiosos, os dragões estavam todos ali. Eram todos tão ela ao mesmo tempo em que não. Lembrou de uma vez te-la ouvido lamentar que não lia como antigamente, talvez não fosse por falta de livros. 

Na varando o ar estava mais gelado do que no quarto, estava muito bom, mas tinha certeza que ela reclamaria de frio. Ficou ali, observando a rua parada. Ouviu a porta abrindo e ela reclamando da janela aberta. Quando se virou ela estava de toalha, procurando uma calcinha. Estava linda com o cabelo todo bagunçado e pingando, disse isso a ela, que sorriu e disse que era só impressão, tinha vontade de morde-la quando dizia isso, era linda pronto e acabou.




15/3/2014
achei esses dias
pena só postar agora

terça-feira, 5 de julho de 2016

917 dias

Eu adoro o filme 500 dias com ela, não tenho dúvidas de que ele está no meu top 5 de filmes favoritos na vida. E gosto dele por uma série de motivos e acho que gosto dele muito antes de te-lo visto. É um filme que acompanhei desde o começo, antes de ser lançado eu já aguardava ansiosa por ele. Talvez seja culpa de ligeira paixão pelo Joseph Gordon-Levitt que existe desde 10 coisas que eu odeio em você, talvez pela proposta de realidade que filmes de amor sempre prometem, mas nunca cumprem. 

500 dias com ela me teve desde o começo e é um filme pra ser revisto sempre, principalmente quando a tal da bad bater, quando a ressaca de amor vier, quando terminar um namoro de muito ou pouco tempo. Não sigo minhas próprias recomendações e só fui ver esse filme agora, não sei quantas dezenas de dias depois. 

Recomendo ele pros momentos de bad não porque ele é um daqueles filmes que nos fazem chorar perdidamente, que dão aquela sensação de que nada de bom pode nos acontecer depois do fim de um relacionamento e muito menos é um daqueles motivacionais e etc. Recomendo por ele justamente mostrar como a vida funciona e que muitas vezes nos deixamos levar pelo que a gente sente e pelas interpretações que fazemos do mundo e das outras pessoas.

O filmes conta os 500 dias de Tom desde o momento em que conhece a Summer até o momento em  que a "esquece". E é um filme cheio de diálogos interessantes, coisas que a gente só percebe depois de tê-lo assistido algumas várias vezes e que fazem todo o sentido. 

A primeira vez que assisti ao filme eu tive muita raiva da Summer, achei que ela tinha usado o Tom e mentido pra ele, que na verdade era tudo um jogo e etc. Hoje eu sinto cada vez menos raiva dela, não é livre de defeitos, há momentos em que ela realmente mente como quando ela convida ele pra festa no apartamento. Mas a cada vez que assisto tenho a impressão de que o grande problema é o Tom, por todas as minhocas na cabeça dele, por todas as expectativas criadas a partir de impressões. Cada vez tenho mais certeza de que somos iguais a ele. 

Eu sou o Tom porque eu imagino coisas onde não tem, porque qualquer movimento é um sinal. Porque quando no fim só consigo ver os pontos positivos e sentir saudade, porque tendo a esquecer a parte ruim que levou à tudo aquilo. Eu sou o Tom porque tento ocupar meu tempo o máximo possível pra não pensar, mas isso só depois de passar três dias sem levantar da cama e vivendo de bolinhos e vinho. Sou o Tom porque depois de qualquer fim tenho dificuldades de acreditar de novo, mas assim como o Tom, eu sei que uma hora passa e dá pra voltar a acreditar de novo.

Mas eu também sou a Summer quando eu digo o que eu acho, quando fecho a cara em situações disconfortáveis. Sou a ela quando deixo de contar algumas coisas só pra ganhar um tempo a mais com alguém. Sou a Summer quando ela diz que um dia acordou e soube o que nunca soube com o Tom. Quando ela diz que as coisas apenas acontecem e não é culpa de ninguém.

No começo do filme o narrador nos diz que esse não é um filme de amor, mas as vezes eu tenho a impressão de que na verdade ele é sim.